LOCKDOWN É IDEIA DE JERICO
A massa é inimiga do pensamento e se aconchega no colo do descompromisso, fazendo dele seu porto seguro. O raciocínio consome energia e requer habilidade para considerar o todo em detrimento do estágio momentâneo vivenciado; que, por sua própria natureza, conduz os indivíduos a tomarem decisões errôneas. Falo isso não por ter aversão ao popular, pelo contrário; daí atesto uma capacidade genuína do nosso povo em transformar os limões doados pela vida numa saborosa limonada. O intuito vai no sentido de alertar o leitor para algumas distorções ocorridas no debate brotense sobre o aumento nos casos de Covid-19 e o comportamento do cidadão.
De início, perpassados um biênio da pandemia, a situação vigente é bem diferente de outrora. Com a vacinação dos adolescentes e adultos finalizada, e as das crianças principiando, nos afasta do caos vivido em 2020. Essa conjuntura é decisiva para entendermos o porquê de Brotas estar com um grande quantitativo de pessoas infectadas e, mesmo assim, o número de internações e de óbitos minimizados. A vacina foi o grande trunfo! Sem ela, o cenário seria muito mais aterrador. Basta pesquisar quem são os pacientes ocupando as UTIs; majoritariamente o quadro é formado por não-vacinados. Portanto, apenas com um par de neurônios o sujeito já é capaz de reconhecer a importância dos imunizantes e com isso abandonar de vez a boçalidade do discurso antivacina.
Em tempos de crise, a postura do ser humano pode beirar a crueza do primitivismo até então superado. Basta ser necessário, o bicho homem aflora seu egoísmo e age como um animal irracional. Nos últimos dias vimos nas redes sociais o apelo de vários conterrâneos cobrando o prefeito de Brotas para aderir ao lockdown, com a finalidade de conter a curva de infecção da variante Ômicron. Esse tipo de narrativa denota uma profunda ignorância sobre o estado pandêmico e também demonstra insensibilidade com o próximo. Confinar as pessoas traria uma resposta insignificante diante do contágio, pois, além de ser impossível aplicar para todos a reclusão, a nova cepa se dissemina com mais facilidade no ar e estará constantemente à espreita para contaminar a população.
Como todo vírus conhecido, o SARS-Cov-2 traz em sua estrutura a capacidade de se modificar; e a tendência, ao longo das transformações, é ficar mais transmissível e menos letal. Essa característica é essencial para o vírus sobreviver; afinal, se ele sempre matar o hospedeiro, o próprio agente infeccioso desaparecerá com o tempo. Apropriando-se dessa concepção, somado à eficácia da vacina, temos um panorama que provavelmente se estenderá por alguns anos, onde a Covid estará atuando, contudo com uma mortalidade menos elevada frente aos imunizados.
Logo, não é razoável aludirmos sobre o fechamento total do comércio ou qualquer medida desse calibre, simplesmente pela ineficiência do ato. Ademais, é bom lembrarmos que inúmeros profissionais dependem do funcionamento comercial para sobreviverem. É muito cômodo eu militar pelo confinamento uma vez que meu salário no final do mês está garantido. Geralmente, a defesa dessa ideia vêm de servidores públicos incautos, dos aposentados ou de sujeitos economicamente estáveis. Para esses, o pão de cada dia é certo como dois e dois são quatro. Também é equivocado culpar os promotores de eventos e artistas como cúmplices do vírus. Eles, assim como qualquer outro, estão lutando pela sobrevivência; e, se estão cumprindo as normas sanitárias estabelecidas pelos decretos, não devem ser demonizados.
Falta-nos empatia em muitas situações para conceber o ideário coletivo vindo antes do individual. A história da farinha pouca, meu pirão primeiro, não deveria ser a tônica ao lidarmos com problemas de alcance global. Todavia, parece que estamos no jardim de infância nessa matéria. Contrariando a máxima pregada por muitos acerca do melhoramento humano com a chegada da pandemia, o desfecho até agora é desanimador. Longe de exagero; estamos nos tornando mais mesquinhos e cínicos ao nem tentar esconder nossa indiferença pelo próximo. Quando você defende, à revelia, parar com todas as atividades, se apresenta como alguém ignorante, alienado e sem um pingo de indulgência.
A economia, nesse contexto, é um outro aspecto a se mencionar. Brotas tem um comércio fraturado e potencialmente limitado. A adesão de um novo confinamento deixaria tudo mais complicado e quebraria de vez os pequenos negócios. E aqui nem cito os autônomos, porque esses, coitados, estão praticamente aniquilados. Possibilidades são inúmeras para seguir atuando e ainda assim ficar em dias com os cuidados sanitários. As cidades vizinhas estão nessa marcha há algum tempo e colhem bons resultados. Ipupiara, por exemplo, não aderiu ao lockdown e tampouco o fará; e por lá, de acordo com as informações oficiais, embora muitos contestem os números, a pandemia parece controlada. Advogo aqui não para seguirmos o modelo de gestão ipupiarense — que por sinal, em várias situações, foi temerário, mas sim para sermos lúcidos e providenciar ações mais inteligentes e distantes do famigerado fechamento total.
O novo normal é viver com a Covid nos espiando; ao menos enquanto não inventarem um antídoto final que proteja o corpo perenemente. Nesse ínterim, vamos tocando a vida, utilizando máscara, álcool gel e obedecendo os demais protocolos de segurança. A vacina chegou e nos livrou da morte, e isso é uma baita vitória. Somos uma comunidade com mais de dez mil habitantes e reconhecida, fora dos nossos domínios, como uma terra de gente acolhedora e inteligente. Exerçamos, então, essas qualidades; principalmente para amparar os conterrâneos em má fase e que tão castigados já foram pelas consequências impostas por dois anos de pandemia.
Coluna A Gente Que Faz
Por Rôney Araújo
22-01-2022
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