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sexta-feira, 28 de agosto de 2020

UMA VIAGEM DE BROTAS AO CORAÇÃO DE IBOTIRAMA, E UM INUSITADO ENCONTRO COM O NEGO DE LÓ

UMA VIAGEM DE BROTAS AO CORAÇÃO DE IBOTIRAMA,

E UM INUSITADO ENCONTRO COM O NEGO DE LÓ

 

Dias atrás, eu e minha família, estivemos em Ibotirama visitando uma amiga. Fomos bem recebidos na residência de seus pais e vivemos ali momentos de muitas alegrias com a atenção dispensada, a prosa boa e, além da calorosa acolhida, aproveitamos para andar um pouco pelas ruas do antigo arraial de Bom Jardim, o qual como Brotas e Oliveira dos Brejinhos, pertenceu ao município de Santo Antônio do Urubu de Cima, ou seja, a nossa querida Paratinga[i], e dali, caminhando para o centro velho da cidade, onde no início do século XVII, foi edificada a capela de Nossa Senhora da Guia de Bom Jardim, numa posição estratégica, na margem do rio, num local que favorecia a travessia dos boiadeiros e suas boiadas, pelas águas do Rio São Francisco. Bom Jardim ganhou o nome de Jardinópolis e, posteriormente em 1931, passou a ter a denominação de Ibotirama, palavra da língua Tupy Guarany “yboty-rama” ou seja “terra das flores.

VISITA AO CORAÇÃO DE IBOTIRAMA.

Ali próximo, na margem direita do Velho Chico fizemos uma primeira parada para contemplar a beleza das águas barrentas do rio que ganhou uma majestoso adorno, os arcos da ponte da BR 242, que até parece uma coroa de ouro adornando o rio, ao mesmo tempo que cumpre a sua função que interliga as margens, permite o trafego rodoviário de veículos e caminhões, um dos mais importantes marco da engenharia civil moderna implantado no oeste baiano, a qual pela sua beleza e imponência, tornou-se o principal cartão postal da Cidade.

A correnteza das águas seguem o seu destino de correr para o mar, desde a sua origem na Serra da Canastra ou oriundas de inúmeros contribuintes marginais, que formam um caudaloso volume, como há muitos anos não se via. e novas surpresas vão surgindo e nos surpreendendo e, mais uma vez paramos para observar duas cenas típicas desta cidade ribeirinha, a felicidade das crianças que tomam banho no rio e  fazem do cais um laboratório de traquinagens e brincadeiras, próprias de um reino encantado e, o brilho do sol refletido no olhar do pescador, que, feliz da vida, aproveita a sombra da amendoeira para prepara seus anzóis e tarrafas, ao tempo que, certamente, sonha com imensos cardumes de surubins e dourados.

E eu atento, como o olhar de quem quer descobrir algo a mais, logo dou de cara com um rico acervo histórico, alguns monumento arquitetônicos, construidos no estilo colonial, que revelam um pouco da história do antigo Bom Jardim, são casarões que pela imponência e beleza deveriam receber uma atenção maior dos nossos governantes, porém discretamente eles se mantém, ao longo dos anos, guardando em cada um dos seus detalhes, conforme conta a tradição oral, a história de seus donos, certamente coronéis da Guarda Nacional, nomeados nos tempos do Brasil Império, e, que mantinha, acima de tudo, o status e poder dos poderosos senhores donatários de imensas fazendas e, por vez, comandantes de verdadeiros exércitos de jagunços e seguidores.

UM HERÓI IBOTIRAMENSE

Também fui surpreendido com um outro casarão antigo, cujo a sua pintura na sua fachada retrata uma parte importante da história, trata se de uma foto pintura de um herói nacional, o Senhor Enok Alves de Assis, que dedicou a sua vida a defesa da pátria amada Brasil, ele foi um verdadeiro guerreiro, homem forte e valente, legitimo representante da força do povo ibotiramense na segunda guerra mundial, época em que serviu ao Exército Brasileiro em uma de suas forças expedicionárias. Foi ali, em frente da casa que entendique o nome dado a mais importante avenida da cidade, a avnida ex combatente é também, uma homenagem, ao herói.

CENTRO CULTURAL VALOROS

Diferentemente dos tempos de Bom Jardim e de Jardinópolis, onde a atividade pesqueira, a produção agrícola e a criação de  gado bovino, nas margens do Velho Chico, formavam a sua principal atividade econômica, além de abastecer a população local e regional, a nossa  Ibotirama de hoje, se apoiou e cresceu a partir da construção da BR 242, e, logo se firmou uma das cidades de referência regional, dando suporte inclusive a outros municípios da região, inclusive a sua “cidade Mãe” Paratinga, tanto no que se referes ao comércio, bem como ao setor de serviços, seja da rede pública, seja da iniciativa privada, principalmente no que se refere ao  setor de saúde, também o município é famoso pela sua cultura, onde destaca-se seus festivais de música e poesias e suas festas tradicionais, onde destacados artistas tem se apresentado e a partir dali, do palco da cidade conquistam seus espaços na cultura da região, a exemplo dos cantores e compositor Reginaldo Belo e Carlos Araújo, do cineasta Reizinho, do escritor Carlos Barbosa e tantas outros estrelas de primeira grandeza.

UM ENCONTRO INUSITADO COM NEGO DE LÓ

Seguindo pelas ruas do centro, imagino um inusitado encontro com a figura mais misteriosa que eu, na minha infância, ouvia falar e, que agora, de repente, apareceu em minha mente caminhando do meu lado, trata-se de uma figura emblemática que ao mesmo tempo era temido pelos poderes misteriosos que possuía, e respeitado pelos técnicas que dominava, trata-se do mais famoso encantador de cascavéis, um homem que vivia rodeado de serpentes venenosas, dono de muitas histórias de curas milagrosas e de feitos sobrenaturais, que atraia para a fazenda Sapé na zona rural de Ibotirama, milhares de pessoas, oriundos, não só da região, mais de todas as partes do Brasil, que buscavam nele a cura para os mais diversos males que lhes afligiam, desde doença da mente ou pedidos de intervenção na trajetória da vida, e que ficou famoso a tal ponto que, diretamente do Rio de Janeiro, a revista "O CRUZEIRO" principal revista semanal do Brasil, mandou o seu correspondente Osvaldo Amorim a Ibotirama para conferir os poderes do filho mais velho de Seu José Pereira da Silva e de Dona Aurora Alves dos Santos, por nome Anísio Alves dos Santos, ou simplesmente Nego de Ló como era conhecido.

 Reproduzo aqui a reportagem publicada pela Revista O Cruzeiro, edição 0037, do dia 22 de junho de 1963.

Nego de Ló, mulato baiano de Ibotirama, tem poderes de sobre as cobras. Fazendeiros da redondeza mandam chamá-lo, quando começa a aparecer muitas cobras em suas fazendas. Nego de Ló vai a noite à noite para o campo, assovia ao modo das cobras e, de manhãzinha, está cercado de uma multidão delas. Mas não mata, por que isso tiraria o seu poder, escolhe algumas cascavéis para sua coleção e manda que os vaqueiros acabem com o resto.

 Este homem estranho é um caboclo forte e bronzeado, revolver e facão na sinta, chapéu de abas largas enfeitados com uma cruz de Caravaca e, aos poucos, se tornou um mito nas terras mesmo distantes de sua fazenda de Ibotirama. O povo conta histórias a seu respeito. Por que o Nego de Ló não serve apenas para “limpar” terrenos infestados de cobras. Ele também faz curas, “fecha o corpo” das pessoas contra o veneno das serpentes e prepara, com drogas que conserva em segredo, panaceias para os sertanejos.

Hoje, ele vive rodeado de cobras, a que dá nomes. São todas cobras altamente venenosas, cascavéis principalmente, e nenhuma delas lhe faz mal. Dizem que, aos seis anos de idade, um cascavel o picou. Não sentiu nada. Aos sete, curou uma de suas irmãs chamada Aurora e, quando ela completou doze anos, Nego de Ló fez outra cascavel mordê-la, para ver se a menina estava mesma “curada “. Estava. Ele se convenceu de que era mesmo um “curador de cobras” e adotou a profissão. Onde havia necessidade de seus serviços lá estava ele com sua arte misteriosa. O povo passou a procura-lo. Na sua fazenda, a duas léguas de Ibotirama, Nego de Ló é procurado por mais de mil pessoas por mês. Vem gente de longe, gente de Brasília e de Pirassununga, que viajam mais de uma semana para encontrá-lo. E o motivo é simples. Nego de Ló, amigo das cobras, não ficou apenas no trabalho de curar o seu veneno. Criou um mito para si próprio. Os sertanejos acreditam que ele adivinha a sorte, crie felicidade para os outros, cure doenças físicas e mentais, pois para tanto é suficiente a crendice dos matutos.

Um homem respeitado pelo que há de mais perigoso na fauna nordestina, as cascavéis, deve ter poderes sobrenaturais. E todos acreditam na atuação do Nego de Ló.      

    


 

 

Por: Wanderley Rosa Matos

Engenheiro Agrônomo e Pesquisador da História Regional.

e-mail: wanderleymatos2000@gmail.com



[i] Naquela época era um dos principais portos fluvial do médio São Francisco.



UMA VIAGEM DE BROTAS AO CORAÇÃO DE IBOTIRAMA,  E UM INUSITADO ENCONTRO COM O NEGO DE LÓ
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