A GENTE QUE FAZ - A EDUCAÇÃO TRANSFORMA, MAS TAMBÉM OPRIME
Por Rôney Araújo
A educação, é um direito de todos e dever do Estado, diz a redação exaltada no artigo 205, da Constituição Federal, promulgada em 1988. Por força de Lei, o ano letivo deve ter 200 dias e 800 horas de atividades em sala e fora dela. Contudo, nesse período de pandemia da Covid-19, o Governo Federal publicou uma Medida Provisória, nº 934, desobrigando as escolas a oferecerem os 200 dias letivos, desde que essas cumpram a carga horária versada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Para tentar salvar o ano escolar, o Conselho Nacional de Educação (CNE) autorizou, em publicação feita, o uso das atividades à distância como forma de contabilização de carga horária, da educação básica ao ensino superior.
Sabemos que o ensino à distância requer um amplo repertório de preparação, indo desde a criação de ambientes virtuais, passando pela formação dos professores, pois esses necessitam se inteirarem com a nova modalidade de ensino, até chegar no aluno, promovendo sua inserção e engajamento. Todo esse percurso precisa ser elaborado e planejado levando em conta as diferentes realidades dos atores envolvidos, especialmente as dos estudantes, justamente por estarem na ponta do processo, são eles os mais impactados por essa metodologia nunca antes utilizada na escolas do Brasil.
Nesse sentido, é essencial, num primeiro momento, a garantia a todos os alunos o acesso a internet e a posse de um computador de qualidade. Deve, também, ser observado a condição social de cada um deles, pois uma parcela significativa dos discentes da rede pública exibe perfil vulnerável. O acompanhamento da aprendizagem, por essa didática remota, exige da família maior envolvimento com a tarefa. Muitas vezes, esses alunos moram em comunidades carentes, onde as casas não comportam as condições mínimas para as crianças aprenderem, tendo os familiares ausentes, porque precisam trabalhar fora; outros lutam com o desemprego e a perspectiva de não terem alimentos para a próxima refeição, o desajuste latente nas relações interpessoais, entre outros tantos problemas de ordem social e humana vivenciados por esses sujeitos.
Tomando Brotas como exemplo, suponhamos que a Secretaria de Educação adote a posição concernida pelo CNE e acene, no sentido de utilizar parte das horas obrigatórias no currículo municipal, por meio de atividades on-line. De cara, já esbarraríamos em duas questões primordiais: os estudantes, sobretudo os da zona rural, têm acesso a internet? Possuem computadores ou outros dispositivos os quais permitam a participação nas atividades? Provavelmente, ambas as respostas seriam negativas. Além disso, a situação socioeconômica das famílias desses estudantes comprometeriam a aprendizagem diretamente. O número de inscritos no Bolsa-família confirma esse hipotético quadro. De acordo com o site do programa, o município tem mais de mil beneficiários cadastrados. E vai piorando o contexto quando pensamos nas séries iniciais e como essa aprendizagem virtual poderia acontecer. Seria possível alfabetizar uma criança à distância? Quem vive a rotina da sala de aula já sabe o quão fantasioso e improvável esse tento é. As crianças na fase alfabética aprendem, principalmente, por meio da repetição, e isso só é alcançado com o professor passando de carteira em carteira, em um ambiente propício ao ensino.
Pensar na educação à distância, como forma de atenuar os prejuízos frente ao coronavírus, não parece ser uma estratégia justa. Pelo contrário, modifica o caráter transformador inerente da educação e a converte num instrumento potente de disseminação de desigualdades, além de acentuar a precariedade existente em parte das famílias brasileiras. Deve haver sim a busca por soluções que ajudem a minimizar os danos enfrentados pelos alunos, mas a tomada de decisões de forma precipitada, sem o devido conhecimento da contextualização inerente ao aluno, pode trazer efeitos contrários do que se esperava além de dramatizar ainda mais o panorama. A conjuntura pede ponderação e diálogo, afinal, soluções mágicas, decididas em salas climatizadas, por pessoas indiferentes ao espaço escolar, geralmente só intensificam os problemas, em vez de resolvê-los.
Não obstante, é salutar que os docentes e educadores da cidade de Brotas — e do país inteiro, os quais sentem na pele os dissabores da profissão, rechacem a ideia do ensino à distância para educação básica para fins de contagem de horas, pois ela amplia as desigualdades sociais e prega, veladamente, a desvalorização do docente e o sucateamento da educação. Nada substitui o contato pessoal do professor com o aluno. Se no ensino superior funciona razoavelmente bem a metodologia remota, na educação básica e média não é bem assim. A clientela dessas modalidades não é suficientemente madura para esse tipo de interação e compromisso. Há um leque imenso de percalços impedindo o sucesso deste método. Sejamos pacientes! A pandemia vai passar. Não é problema atrasarmos em alguns meses o ano escolar, terrível mesmo é usarmos a educação como ferramenta meritocrática para deixar, aqueles que estão à margem, ainda mais longe possíveis.
Fotos Ilustação da Internet
Da Redação, 26//06/2020
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