Em um movimento fora do padrão, há doze anos, o Supremo Tribunal Federal convidou, por meio de audiências públicas, segmentos da população para discutirem temas com repercussão religiosa e conduta ética. O fato, por certo, passou despercebido por muitos, mas marcou um avanço propositivo de diálogo e participação da sociedade frente a questões sensíveis da vida humana. Na ocasião, o debate debruçou-se no uso de células-troncos embrionárias e a liberação do aborto. A dinâmica de convocar grupos sociais para opinarem sobre pautas concernentes é um traço marcante do sistema republicano moderno, o qual vislumbra a garantia da livre expressão das ideias e pensamentos dos cidadãos.
A base do republicanismo é permeada pela liberdade de todos os atores constituídos em seu seio. Tal concepção deve ser entendida, a princípio, aos moldes da Revolução Francesa, tendo os ideais libertários como foco, sendo esses os responsáveis pela separação entre Estado e religião. Longe de ter sido um processo natural, essa cisão ocorreu a troco de muita violência e derramamento de sangue. Entretanto, quando pensamos em uma sociedade repertoriada de alternativas e com o legítimo direito a se manifestar, percebemos o quão a independência entre Estado e religião foi salutar para vivermos em um ambiente mais livre.
No Brasil, em discordância com o discurso de alguns radicais, é pouco provável o risco de virarmos uma teocracia. Essa forma de governo tem suas funções políticas e o poder exercido em nome de uma autoridade divina. Quase sempre, o comando é exercido por uma figura personalista e perdura enquanto essa viver. Aqui temos, no máximo, a chamada bancada evangélica no Congresso Nacional. Atualmente, são 105 deputados e 15 senadores declaradamente dessa vertente. A maioria dos congressistas dessa ala têm pastores famosos como mentores ou quando não são eles mesmos os líderes de suas congregações.
A Constituição Federal, no seu nascedouro, em 1988, versa acerca da laicidade do Estado. Contudo, nem sempre foi assim. Por mais de setenta anos, no período monárquico, o imperador, habitualmente, elevava padres e bispos a postos governamentais e os incumbiam, algumas vezes, de tomarem conta de documentos importantes de sustentação da Coroa. Essa conjuntura findou-se ao passo da Proclamação da República e estabeleceu a dissociação entre Estado e Igreja. O significado disso é termos uma estrutura governamental independente operando à margem de viés religioso e das suas concepções. Não se trata, todavia, que o Estado laico é aquele antirreligioso ou ateu; mas sim a conservação de uma postura indiferente diante a qualquer tipo de religiosidade bem como a falta dela.
Logo, a finalidade de um Estado laico vai ao encontro da autonomia para gerir os recursos públicos e proporcionar bem-estar coletivo. Como nossa democracia é representativa, era natural supormos a criação de nichos identitários nas Casas Legislativas oriundos dos estratos sociais os quais os elegem. Ora, as bancadas temáticas no Congresso apenas retratam os recortes da sociedade e se fazem presentes movidas por interesses difusos. É meramente impossível barrar essa colcha de retalhos. Se na vida prática as pessoas se diversificam nos seus gostos e paixões, na política o cenário é idêntico e parece haver espaço para todo tipo de ideário; embora a disposição de força e poder seja equivocadamente desigual.
A vitória de Jair Bolsonaro acendeu a expectativa em grupos conservadores de terem seus anseios representados nas atividades realizadas pelo Executivo. Majoritariamente, esses indivíduos conglomeram em torno do protestantismo e enxergam, na personalidade do Presidente eleito, condições para atendimento de suas reivindicações, pois o próprio Presidente já se declarou de direita e afeito ao discurso conservador. E talvez esteja aqui, de fato, o sentido para muitos temerem uma demandada do governo ao modelo teocrático. Na Presidência, diferente do Legislativo, todas as ações são concentradas em uma única pessoa, e se essa se pautar em preceitos religiosos, correremos o risco de retrocedermos em várias questões antes superadas.
No entanto, o sistema de freios e contrapesos opera principalmente para impedir abusos de um Poder e manter a harmonia entre a tripartição. Por mais inclinado que um Presidente possa estar, deixando-se guiar por questões dogmáticas junto aos interesses da Nação, os mecanismos existentes se oporão a esse desejo, naufragando o tento. Não há sinais vindo do Palácio do Planalto demonstrando a condução da coisa pública alicerçada em bases teológicas. E é bom a toada permanecer dessa forma. Uma vez mantendo a independência e a separação entre Estado e religião, é possível garantir a liberdade das pessoas resguardando-as das ingerências típicas quando as duas coisas se misturam.
Em consequência, apoiar esse distanciamento é razoável quando pensamos na emancipação de um povo e a manutenção de um estado com ares de livre escolha. Obviamente, você tem o direito de votar em líderes religiosos; só não queira o funcionamento do governo alinhado à sua crença pessoal. Em muitos países com regimes totalitários, a religião é o instrumento coercitivo do governo para controlar os indivíduos. É o caso do Irã e do Afeganistão, por exemplo, nos quais a Carta Magna é o Alcorão. Nem sonhando veremos o Brasil dessa forma. Em terras tropicais, devemos incentivar a pluralidade dos credos e, inclusive, aceitar aqueles descrentes em qualquer coisa. A democracia se constrói e fortalece quando os atores envolvidos são respeitados nas suas convicções e se comprometem com a Constituição.
Fotos da Internet
09/10/2020
A base do republicanismo é permeada pela liberdade de todos os atores constituídos em seu seio. Tal concepção deve ser entendida, a princípio, aos moldes da Revolução Francesa, tendo os ideais libertários como foco, sendo esses os responsáveis pela separação entre Estado e religião. Longe de ter sido um processo natural, essa cisão ocorreu a troco de muita violência e derramamento de sangue. Entretanto, quando pensamos em uma sociedade repertoriada de alternativas e com o legítimo direito a se manifestar, percebemos o quão a independência entre Estado e religião foi salutar para vivermos em um ambiente mais livre.
No Brasil, em discordância com o discurso de alguns radicais, é pouco provável o risco de virarmos uma teocracia. Essa forma de governo tem suas funções políticas e o poder exercido em nome de uma autoridade divina. Quase sempre, o comando é exercido por uma figura personalista e perdura enquanto essa viver. Aqui temos, no máximo, a chamada bancada evangélica no Congresso Nacional. Atualmente, são 105 deputados e 15 senadores declaradamente dessa vertente. A maioria dos congressistas dessa ala têm pastores famosos como mentores ou quando não são eles mesmos os líderes de suas congregações.
A Constituição Federal, no seu nascedouro, em 1988, versa acerca da laicidade do Estado. Contudo, nem sempre foi assim. Por mais de setenta anos, no período monárquico, o imperador, habitualmente, elevava padres e bispos a postos governamentais e os incumbiam, algumas vezes, de tomarem conta de documentos importantes de sustentação da Coroa. Essa conjuntura findou-se ao passo da Proclamação da República e estabeleceu a dissociação entre Estado e Igreja. O significado disso é termos uma estrutura governamental independente operando à margem de viés religioso e das suas concepções. Não se trata, todavia, que o Estado laico é aquele antirreligioso ou ateu; mas sim a conservação de uma postura indiferente diante a qualquer tipo de religiosidade bem como a falta dela.
Logo, a finalidade de um Estado laico vai ao encontro da autonomia para gerir os recursos públicos e proporcionar bem-estar coletivo. Como nossa democracia é representativa, era natural supormos a criação de nichos identitários nas Casas Legislativas oriundos dos estratos sociais os quais os elegem. Ora, as bancadas temáticas no Congresso apenas retratam os recortes da sociedade e se fazem presentes movidas por interesses difusos. É meramente impossível barrar essa colcha de retalhos. Se na vida prática as pessoas se diversificam nos seus gostos e paixões, na política o cenário é idêntico e parece haver espaço para todo tipo de ideário; embora a disposição de força e poder seja equivocadamente desigual.
A vitória de Jair Bolsonaro acendeu a expectativa em grupos conservadores de terem seus anseios representados nas atividades realizadas pelo Executivo. Majoritariamente, esses indivíduos conglomeram em torno do protestantismo e enxergam, na personalidade do Presidente eleito, condições para atendimento de suas reivindicações, pois o próprio Presidente já se declarou de direita e afeito ao discurso conservador. E talvez esteja aqui, de fato, o sentido para muitos temerem uma demandada do governo ao modelo teocrático. Na Presidência, diferente do Legislativo, todas as ações são concentradas em uma única pessoa, e se essa se pautar em preceitos religiosos, correremos o risco de retrocedermos em várias questões antes superadas.
No entanto, o sistema de freios e contrapesos opera principalmente para impedir abusos de um Poder e manter a harmonia entre a tripartição. Por mais inclinado que um Presidente possa estar, deixando-se guiar por questões dogmáticas junto aos interesses da Nação, os mecanismos existentes se oporão a esse desejo, naufragando o tento. Não há sinais vindo do Palácio do Planalto demonstrando a condução da coisa pública alicerçada em bases teológicas. E é bom a toada permanecer dessa forma. Uma vez mantendo a independência e a separação entre Estado e religião, é possível garantir a liberdade das pessoas resguardando-as das ingerências típicas quando as duas coisas se misturam.
Em consequência, apoiar esse distanciamento é razoável quando pensamos na emancipação de um povo e a manutenção de um estado com ares de livre escolha. Obviamente, você tem o direito de votar em líderes religiosos; só não queira o funcionamento do governo alinhado à sua crença pessoal. Em muitos países com regimes totalitários, a religião é o instrumento coercitivo do governo para controlar os indivíduos. É o caso do Irã e do Afeganistão, por exemplo, nos quais a Carta Magna é o Alcorão. Nem sonhando veremos o Brasil dessa forma. Em terras tropicais, devemos incentivar a pluralidade dos credos e, inclusive, aceitar aqueles descrentes em qualquer coisa. A democracia se constrói e fortalece quando os atores envolvidos são respeitados nas suas convicções e se comprometem com a Constituição.
Fotos da Internet
09/10/2020
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